segunda-feira, 9 de agosto de 2010

A criança que desafiou a medicina

Lilian Tahan - Correio Braziliense (28/2/2003)

Manu tem apenas dois anos e seis meses. Mas, para os médicos que a examinaram quando ainda estava na barriga da mãe, ela já viveu demais. Portadora de uma doença que deixa seu cérebro exposto, a menina não teria como sobreviver, segundo os especialistas.
Ela desafiou a ciência

A pequena Manu, de dois anos e seis meses, é a única brasileira que sobreviveu a uma doença que leva à má-formação dos ossos do crânio. Médicos diziam que a deformidade era incompatível com a vida.

Manu surpreendeu a ciência pelo simples fato de existir. Ela vive, quando a medicina disse que deveria estar morta. A menina tem acrania, deformação causada por uma má-formação dos ossos que envolvem o cérebro. No mundo, apenas 21 crianças conseguiram vencer os sintomas da doença que leva à morte poucos minutos após o parto. Manu é a única brasileira sobrevivente a essa doença.
Gonçala Teixeira nunca tinha ouvido falar da doença antes do quinto mês de sua segunda gestação. No primeiro exame que fez, no Posto de Saúde II de Sobradinho, soube que sua filha nasceria com um problema incompatível com a vida. O problema foi confirmado em laudo de médicos do então Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB) - hoje Hospital Regional da Asa Sul. A única saída seria interromper a gravidez com um parto induzido aos sete meses.

Na época, a equipe médica que atendeu Gonçala se encarregou de enviar um laudo preliminar ao Ministério Público (MP). O Distrito Federal é o único estado brasileiro em que a decisão de recomendar a interrupção de uma gestação está nas mãos de uma promotoria. No resto do Brasil, a decisão depende de autorização judicial. No caso de Gonçala, bastaria que a equipe médica decidisse por interromper a gestação. Como ela estava na 35ªsemana, a indução do parto não mais dependeria de parecer da justiça.

Com receio da repercussão pública entre a sociedade e a Igreja, os médicos decidiram submeter a autorização ao conhecimento da Promotoria de Justiça Criminal de Defesa Dos Usuários dos Serviços de Saúde, Pró-Vida. Diante dos laudos, todos apontando para o mesmo problema de acrania, o promotor Diaulas Ribeiro autorizou a equipe a interromper a gravidez de Gonçala. ''Os médicos queriam um respaldo, mas tinham autonomia para decidir. A autorização da promotoria é só para garantir a mãe e aos médicos que a interrupção da gravidez, em um caso como esse, não é crime'', explica Diaulas.

Com o aval do Pró-Vida, Gonçala e o marido, Renato Ribeiro, optaram por interromper a gravidez. ''Os médicos acreditavam que o parto induzido iria acelerar a morte do bebê. Eles não deixavam nem eu amamentar pois diziam que ele ia morrer logo'', lembra a mãe. Manu nasceu com 1.780g e não tinha ausência total do osso do crânio como os médicos previam. Parte do osso do crânio não existia e o cérebro estava exposto.

Contrariando as expectativas, Manu já fez dois aniversários. Suas roupas denunciam as deficiências. Aos dois anos e meio, veste roupas de um bebê de oito meses. Com um desenvolvimento físico inferior ao de sua idade, Manu não fala, não anda e não há comprovação de que ela é capaz de enxergar. As pálpebras da menina permanecem quase o tempo todo fechadas.

Todos os problemas não ofuscam o amor de Gonçala e de Renato pela filha. Hoje o casal se surpreende com cada reação que a criança tem. Gonçala beija, abraça e diz que Manu é sua bonequinha. ''Ela adora tomar banho e vibra todas as vezes que damos o leite da tarde'', conta. Quando chega perto da mãe, a criança move discretamente o rosto e abre a boca, mostrando os dois dentinhos que nasceram. ''Sei que ela me reconhece. Se ouve minha voz, começa a se mexer'', diz.

Os sinais vitais de Manu são usados por médicos como argumento de que nem sempre um laudo pode definir o nascimento ou não de uma criança. Eduardo Guerra, à época presidente do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, acredita que a autorização da promotoria foi precipitada. ''O CRM não foi consultado. Os conselhos têm a tarefa de discutir quais os casos em que a interrupção da gestação é recomendada. A Manu é uma prova viva de que esse não era um deles'', avalia o médico.
ABORTO

600 é o número de autorizações judiciais dadas até hoje no Brasil para mães interromperem a gestação. Os juízes se baseiam em laudos médicos que indiquem malformação ou alguns tipos de síndrome muito graves, capazes de reduzir a sobrevida da criança para poucos minutos ou horas após o parto.
O QUE DIZ A LEI

Os casos de aborto estão previstos nos artigos 124 e 128 do Código Penal Brasileiro. Na lei, o aborto é proibido, exceto em dois casos. O primeiro, se não houver outro meio de salvar a vida da mãe sem sacrificar a do bebê. A outra exceção é para os casos em que a gravidez é resultado de um estupro. Nessa circunstância, é dada a autorização para que a mãe decida se quer ou não interromper a gestação.


Morre Manuela, a sobrevivente do Promotor de Justiça Diaulas

(http://www.providaanapolis.org.br)


Segundo notícia do Correio Braziliense (15 set. 2003, p. 3, "Morre criança com acrania"), a menina Manuela Teixeira (ou Manu), morreu depois completar três anos de nascida, no dia 14 de setembro de 2003. O aborto de Manuela havia sido autorizado pelo promotor Diaulas Costa Ribeiro, por causa de sua má formação, a menina sobreviveu e só foi morrer três anos depois. Seus pais, Renato e Gonçala, moradores de Sobradinho (DF), enterraram o corpo no cemitério de Brazlândia.

Segundo a mesma fonte jornalística, o promotor Diaulas, ao invés de mostrar-se arrependido e pedir desculpas, teria dito: "O feto com esse tipo de má-formação não tem qualquer expectativa de sobrevida. O fato de ele ter durado esse tempo todo não lhe deu qualquer qualidade de vida".

Se o jornal foi fiel às palavras de Dr. Diaulas, sua declaração é preocupante. Será que, para ele, só merece viver quem tem "qualidade de vida"? Seria lícito autorizar a morte de outros brasileiros que, como Manuela, não têm "qualidade de vida"? Favelados, mendigos, deficientes físicos, crianças desnutridas... seria lícito matá-los?

O que acham do meu Naninha Cachorrinho?