sexta-feira, 13 de maio de 2011

Canção da Judia de Varsóvia - Jorge Amado

Meu nome, já não o sei.
Só de Judia me chamam.
Meu rosto já foi bonito, na primavera em Varsóvia.
Um dia, chegou o inverno,
Trazido pelos nazistas;
E nunca mais quis ir embora.
Um dia já fui bonita,
Tive noivo, e tive sonhos.
Trazidos pelos nazistas
Veio o terror, veio a morte.
As flores se acabaram...
As criancinhas também.
Meu noivo foi fuzilado na madrugada do inverno.
Alegres jardins de outrora hoje já não existem.
Nunca mais verei as flores.
As criancinhas morreram de fome, pelas sarjetas,
Furadas de baionetas, nas diversões dos nazistas.
Morreram as flores também.
As aves, para onde foram?
Cadê Varsóvia sorrindo?
Está Varsóvia gemendo...
Está Varsóvia morrendo...
Tão lindo era meu nome, poema para o meu noivo!
Riu o nazi junto a mim:
”Judia que és bonita"
Judia não tem beleza, judia nem nome tem...
Tomou da minha beleza nas suas mãos assassinas,
Quem me dera ter morrido na madrugada do inverno!
Sou pobre moça judia na cidade de Varsóvia...
Ontem mataram meu pai na vista de minha mãe.
Em campo de concentração minha beleza acabou.
Meu nome, já não o sei - só de judia me chamam.
Nunca fiz mal a ninguém,
E tanto mal que me fizeram!
Coração não têm os nazis...
São feras que se soltaram pelas ruas de Varsóvia.
Inverno que não acaba, só há desgraça e tristeza,
Soluços de toda a gente e as gargalhadas dos nazis!
Antes, nas tardes alegres,
Meu noivo vinha à rua,
Seus olhos nos meus pousavam,
Meus lábios só tinham risos.
Mas um dia... Eles chegaram.
Vestiam camisas pardas.
Coração? Eles não tinham.
Meu noivo havia partido, tão belo, com o seu fuzil!
Mataram-no de madrugada, nesse inverno que chegava...
Esse campo não tem flores...
Mais parece um cemitério...
Em campo de concentração
São mil judias comigo, mas nenhum nome tem.
Só, sobre o peito, uma marca feita com ferro em brasa,
Como um rebanho de gado
Para os açougues dos nazis.
Minha beleza se foi...
Meus lábios já não sorriem.
Ontem mataram meu pai na vista de minha mãe;
Meus olhos são secos, secos não restou nenhuma lágrima.
Uma coisa me disseram - quem dera fosse verdade...
Disseram que em outras terras,
Judias e não judias, moças que nem nome têm,
Em armas se levantaram,
Que guerrilheiras se chamam, que matam nazis nas noites,
Que vingam os noivos e a honra! Quem dera fosse verdade!
Por que... Se fosse verdade, mulheres matando nazis,
Nesse campo desgraçado uma alegria eu teria, uma esperança também.
Dizem que em outras terras lutam mulheres em armas...
Quem dera fosse verdade por que... Se fosse verdade,
Um dia para Varsóvia, com certeza chegaria, em que o
Inverno se fosse e os nazistas se acabassem.
E a primavera encheria de cantos Varsóvia inteira,
Nas ruas de criancinhas, nos alegres jardins de flores,
Nos olhos dos namorados...
Tudo seria uma canção!
E, moça judia então, NOME de novo eu teria!



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Este poema foi lido por uma amiga ,quando madrichá do Kadima (Grupo Juvenil Judaico) numa cerimônia de Yom Hashoá (Dia do Holocausto) que aconteceu na comunidade de Belém - Pará em 1993.

Lamentavelmente, não é muito conhecido. Ela transcreveu agora ao computador para que possamos difundi-lo com a importância que acredito que merece. Acho muito significativo termos estas palavras escritas por um poeta não judeu e que conta com o respeito e admiração do Brasil e do mundo todo como Jorge Amado, que foi o autor da lei, ainda hoje em vigor, que assegura o direito à liberdade de culto religioso no Brasil.

O que acham do meu Naninha Cachorrinho?