terça-feira, 26 de junho de 2012

Uma canção no deserto

O deserto é possivelmente uma das mais claras representações da ausência de vida e esperança. 
Beduínos e Tuaregues - povos do deserto - desenvolveram milenares técnicas de sobrevivência 
para resistirem à angustiante mistura de sol, calor e areia. 
Anos atrás atravessei a parte ocidental do Saara e, apesar do costume a temperaturas tropicais, 
nada me preparou para os 54 graus à sombra durante aquelas tardes. 
Lembro-me que o pensamento mais obsessivo e recorrente era simplesmente água, 
o elemento mais desejado em terras áridas. 


Davi escreveu o Salmo 63 no deserto de Judá enquanto fugia de Saul. 
Encontrava-se em um dos momentos mais constrangedores de sua vida. 
Além de estar no deserto, tomado pelo desconforto e temores natos ao ambiente, 
seu povo e rei o perseguiam.

Contrariando a natural tendência do descontentamento de coração perante as caminhadas desérticas, 
Davi revela, ali mesmo na areia, que a sua alma tinha “sede de Deus”. 

Este parece ter sido o mais paradoxal pensamento que passou pela mente do salmista: 
a sede de Deus era maior que a sede de água. 

A busca pela presença de Deus era mais forte que qualquer outra carência humana.

Quando em caminhadas solitárias e perseguidos pelos que antes eram mais chegados que irmãos, 
precisamos nos conscientizar desta verdade transformadora: precisamos mais de Deus em nossas vidas 
do que água no deserto. 

C.S. Lewis nos diz que “o amor é o princípio da existência, e seu único fim”. 
Com isto nos incita a pensar que o amor não é apenas o meio, mas também o propósito final. 

Somos convidados, em toda a caminhada cristã, a andar de forma paradoxal, em expressões de amor: 
perder a vida para ganhá-la; oferecer a outra face a quem nos fere; esperar contra a esperança; 
amar, e não odiar os inimigos; perdoar, mesmo perante óbvias razões para a amargura; 
desejar mais a Deus do que a água, mesmo quando se vagueia, foragido, por entre terras mais secas.

É nesta caminhada que encontramos descanso verdadeiro. 
Davi não apenas fala da possibilidade de descanso em Deus, mas o experimenta. 

Os principais verbos nos versos 6 a 8 estão no presente. 
Davi se lembra, pensa e canta o descanso em Deus enquanto caminha - não apenas o planeja fazê-lo amanhã. 
Reconhecer que a presença de Deus é melhor que a vida parece ser o exercício mais transformador – de mente, 
coração e visão de mundo - que qualquer pessoa possa experimentar.

Somos amados por Deus e este fato deveria ser definidor em como vemos a vida e o mundo ao nosso redor. 
Ser amado por Deus é entender que somos convidados a um relacionamento eterno, 
é perceber que estamos em lugar seguro e saber que não há nada melhor.

A construção desta canção do deserto revela a alma de Davi. 
No verso 1 ele expressa que tinha sede de Deus. Nos versos 2 a 5 ele louva a Deus pelo Seu amor, 
que é melhor que sua própria existência.
Nos versos 6 a 8 Davi descansa no Senhor e finalmente nos versos 9 a 11 
ele declara sua confiança na vitória sobre os inimigos.

Encontro-me rotineiramente com pessoas que, à semelhança de Davi, experimentam a solidão do deserto, 
o constrangimento da fuga e a incerteza de não saber para onde ir. 
A vida nestas horas torna-se mais lenta, opaca e pesada. 
Porém, justamente em momento assim a presença de Deus nos convida a crer um pouco mais, 
e nos encoraja a continuar caminhando. 

Em um relance olhamos para trás e percebemos que no passado o Senhor foi fiel, 
mesmo no dia mais escuro. 
Amanhã não será diferente. 
A presença de Deus sempre trás à memória o que pode nos dar esperança.

Lutero, citado por C. J. Mahaney em seu livro “Glory do Glory”, nos diz que:
“esta vida, portanto, não é justiça, mas crescimento em justiça. 
Não é saúde, mas cura. 
Não é ser, mas se tornar. 
Não é descansar, mas exercitar. 
Ainda não somos o que seremos, mas estamos crescendo nesta direção. 
O processo ainda não está terminado, mas vai prosseguindo. 
Não é o final, mas é a estrada. 
Todas as coisas ainda não brilham em glória, mas todas as coisas vão sendo purificadas”

Que o Senhor se mostre presente em nossas vidas. 
Nestes dias o deserto se tornará lugar de alegria e descanso.

O que acham do meu Naninha Cachorrinho?