A marca distintiva da sociedade contemporânea é a superficialidade.
Somos rasos em nossas avaliações.
Falta-nos reflexão.
Falta-nos introspeção.
Estamos atarefados demais e cansados demais para examinarmo-nos
a nós mesmos.
Corremos atrás de coisas e perdemos relacionamentos.
Sacrificamos no altar das coisas urgentes, as coisas
que de fato são importantes.
Como muito bem afirmou George Carlin, num artigo sobre o paradoxo do nosso tempo:
“Multiplicamos nossos bens, mas reduzimos nossos valores.
Falamos demais, amamos raramente e odiamos frequentemente.
Aprendemos a sobreviver, mas não a viver; adicionamos anos à nossa vida
e não vida aos nossos anos.
Fomos e voltamos à lua, mas temos dificuldade de cruzar a rua e encontrar um novo vizinho.
Conquistamos o espaço sideral, mas não o nosso próprio espaço.
Fizemos muitas coisas maiores, mas pouquíssimas melhores.
Limpamos o ar, mas poluímos a alma; dominamos o átomo, mas não nosso preconceito.
Construímos mais computadores para armazenar mais informação, mas nos comunicamos
cada vez menos.
Estamos na era do fast-food e da digestão lenta; do homem grande de caráter pequeno;
lucros acentuados e relações vazias.
Essa é a era de dois empregos, vários divórcios, casas chiques e lares despedaçados”.
Solilóquio é conversar consigo mesmo.
É olhar nos olhos daquele que vemos no espelho e enfrentá-lo sem subterfúgios.
É entrar pelos corredores da alma e não escapar pelas vielas laterais.
É lidar com o nosso mais difícil interlocutor.
É falar com o nosso mais exigente ouvinte.
A introspecção, porém, é uma viagem difícil de fazer.
Olhar para dentro é mais difícil do que olhar para fora.
É mais fácil falar para uma multidão do que conversar com a nossa própria alma.
É mais fácil exortar os outros do que corrigir a nós mesmo.
É mais fácil consolar os aflitos, do que encorajar-nos a nós mesmos.
É mais fácil subir ao palco e pregar para um vasto auditório do que conversar
com aquele que vemos diante do espelho.
O salmista, certa feita, estava muito triste e percebeu que precisava endereçar
sua voz não para fora, mas para dentro.
Então disse: “Por que estás abatida ó minha alma?
Por que te perturbas dentro de mim?
Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu” (Sl 42.11).
É preciso dizer à nossa alma que a tristeza não vai durar para sempre.
Devemos levantar nossos olhos e saber que Deus está no controle da situação,
ainda que agora isso não seja percebido pelos nossos sentidos.
Devemos proclamar, em alto e bom som para nós mesmos, que o louvor
e não o gemido; a alegria e não o choro é que nos esperam pela frente.
Não nos alarmemos com nossas angústias; consolemo-nos com as promessas de Deus.
Não basta reflexão, é preciso introspecção.
Não basta falarmos aos outros, precisamos falar a nós mesmos.
Não basta lançarmos mão do diálogo, precisamos de solilóquio.
O salmista, disse certa feita: “Volta minha alma ao teu sossego,
pois o Senhor tem sido generoso para contigo” (Sl 116.7).
Muitas vezes, ficamos desassossegados, quando deveríamos estar em paz.
Curtimos uma grande dor na alma, quando deveríamos estar experimentando
um bendito refrigério.
E por que?
Porque deixamos de pregar para nós mesmos.
Deixamos de exortar nossa própria alma.
Deixamos de fazer viagens rumo ao nosso interior.
Deixamos de conversar diante do espelho.
Deixamos o solilóquio.
É preciso alertar, entretanto, que o solilóquio só é saudável,
quando estamos na presença de Deus, quando nossa esperança está em Deus,
quando encontramos em Deus nosso refúgio e fortaleza,
quando podemos dizer como o salmista:
“Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu”.
Hernandes Dias Lopes