A sempre lúcida e inspirada Cecília Meirelles, traz-nos alguns de seus pensamentos sobre a infância:
É porque nós, desgraçadamente, já andamos esquecidos; mas, quando fomos pequenos, tivemos também essa maravilhosa imaginação com que qualquer criança deslumbra o mais requintado poeta.
Nosso mundo foi feito de coisas prodigiosas: os milagres das fadas, os encantos dos bruxos, toda a mágica das histórias mais assombrosas...
Tudo foi sempre muito verossímil, porque tínhamos em nós uma força misteriosa geradora das mais extraordinárias possibilidades.
Talvez porque convivíamos mais diretamente com a natureza, e a natureza é por si mesma assombrosa.
Depois de ver uma borboleta voar, uma flor desenrolar-se do botão, uma semente transformar-se em planta, um passarinho sair do ovo e mais tarde a cantar;
Uma estrela revelar-se, depois de feita a noite, um campo encher-se de pirilampos, as nuvens crescerem, unirem-se, viajarem, desfazerem-se...
Depois de tudo isso, com que é que se vai admirar uma criança?
E éramos tão senhores da vida, com todos os seus cenários e as suas aparências...
Acreditávamos tanto na eternidade profunda das coisas, malgrado as suas superficiais e parciais extinções.
Que a morte era pra nós qualquer coisa enganosa, que os adultos não tinham ainda encarado bem, que ainda não conheciam de perto e só por isso, com certeza, não sabiam ainda vencer...
A infância traz encerradas em si todas as condições superiores do destino humano.
Ela mesma não sabe disso, porque a sabedoria tem qualquer coisa de inconsciente. Mas vivem dentro dela todas as capacidades da vida, por mais difíceis, inacreditáveis, longínquas e indefiníveis que sejam.