É um nevoeiro escuro que aprisiona furtivamente a alma e
se recusa a ir embora.
É uma neblina silenciosa que esconde o sol e chama as trevas.
É uma nuvem pesada que não honra qualquer hora nem
respeita quem quer que seja.
Depressão, desânimo, desapontamento, dúvida...
todos são companheiros desta presença temida.
O nevoeiro do coração partido desorienta a nossa vida.
Ele torna difícil ver o caminho.
Abaixe as suas luzes.
Limpe o pára-brisa.
Ande mais devagar.
Faça o que quiser, nada ajuda.
Quando este nevoeiro nos rodeia, nossa visão fica bloqueada
e o amanhã está para sempre distante.
Quando esta escuridão ondulada nos envolve, as palavras
mais sinceras de ajuda e esperança não passam de
frases vazias.
Se já esteve neste nevoeiro, ou está nele agora, pode estar
certo de uma coisa — não se encontra sozinho.
Até o mais esperto dos capitães da marinha já perdeu o rumo
ao aparecer essa nuvem indesejada.
Como disse certo comediante:
"Se os corações partidos fossem anúncios, todos
apareceríamos na televisão."
Faça um retrospecto dos últimos dois ou três meses.
Quantos corações partidos encontrou?
Quantos espíritos feridos teve ocasião de observar?
Quantas histórias de tragédias chegou a ler?
Tragédias nebulosas.
Como cegam nossa visão e destroem os nossos sonhos.
Esqueça todas as grandes esperanças de alcançar o mundo. Esqueça todos os planos de mudar a sociedade.
Esqueça todas as aspirações de mover montanhas.
Esqueça tudo isso.
Só me ajude a atravessar a noite.
O sofrimento do coração partido.
Venha comigo assistir aquela que foi talvez a noite
mais enevoada da história.
A cena é muito simples, você vai reconhecê-la rapidamente.
Um bosque de oliveiras retorcidas.
O chão coberto de pedras grandes.
Um muro baixo de pedras.
Uma noite escura, muito escura.
Veja agora o quadro.
Olhe atentamente através da folhagem sombria.
Vê aquela pessoa?
Vê aquela figura solitária?
O que ele está fazendo?
Deitado no chão.
O rosto manchado de terra e lágrimas.
Os punhos batendo no solo.
Os olhos arregalados com o estupor do medo.
O cabelo emaranhado por causa do suor salgado.
Será aquilo sangue em sua testa?
Esse é Jesus. Jesus no Jardim do Getsêmani.
Você talvez tenha visto o retrato clássico de Cristo no jardim.
Ajoelhado junto a uma grande rocha.
Um alvo manto.
Mãos pacificamente unidas em oração.
Um olhar sereno em seu rosto.
Um halo sobre a sua cabeça.
Um raio de luz do céu, iluminando seu cabelo castanho
dourado.
Eu não sou artista, mas posso dizer-lhe algo.
O homem que pintou esse quadro não usou o evangelho
de Marcos como modelo.
Veja o que Marcos escreveu sobre aquela noite penosa:
"Então, foram a um lugar chamado Getsêmani;
ali chegados, disse Jesus a seus discípulos:
Assentai-vos aqui, enquanto eu vou orar.
E, levando consigo a Pedro, Tiago e João, começou a
sentir-se tomado de pavor e de angústia.
E lhes disse:
A minha alma está profundamente triste até à morte;
ficai aqui e vigiai.
E, adiantando-se um pouco, prostrou-se em terra;
e orava para que, se possível, lhe fosse poupada aquela hora.
E dizia:
Aba, Pai, tudo te é possível; passa de mim este cálice;
contudo, não seja o que eu quero, e sim o que tu queres.
Voltando, achou-os dormindo; e disse a Pedro: Simão,
tu dormes?
Não pudeste vigiar nem uma hora?
Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o espírito,
na verdade, está pronto, mas a carne é fraca.
Observe estas frases: “Começou a sentir-se tomado de pavor
e de angústia.”
“Minha alma está profundamente triste.”
“E, adiantando-se um pouco, prostrou-se em terra.”
Este parece um quadro de um Jesus santo, repousando
na palma de Deus?
De modo algum.
Marcos usou tinta preta para descrever esta cena.
Vemos um Jesus agonizante, lutando e se esforçando.
Vemos um "homem de dores".
Vemos um homem enfrentando o medo, em luta com
os compromissos e ansiando por alívio.
Vemos Jesus no nevoeiro de um coração partido.
O escritor de Hebreus iria dizer mais tarde,
"Ele, Jesus, nos dias da sua carne, tendo oferecido,com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas a quem o podia livrar
da morte".
Que descrição! Jesus sofrendo.
Jesus às portas do medo.
Jesus não está revestido de santidade, mas de humanidade.
Da próxima vez que o nevoeiro o envolver,
você faria bem em lembrar-se de Jesus no jardim.
Da próxima vez em que pensar que ninguém compreende,
releia o capítulo 14 de Marcos.
Da próxima vez que a autopiedade o convencer de que
ninguém se importa, vá visitar o Getsêmani.
E da próxima vez em que ficar imaginando se Deus
realmente percebe a dor que prevalece neste poeirento
planeta, ouça-o suplicando entre as árvores retorcidas.
Este é o meu ponto.
Ver Deus desse modo faz maravilhas em relação ao
nosso próprio sofrimento.
Deus jamais foi tão humano quanto nessa hora.
Deus jamais esteve mais próximo de nós do que quando sofreu
A Encarnação jamais foi tão cumprida quanto no jardim.
Como resultado, o tempo passado no nevoeiro da dor poderia
ser o maior dom de Deus.
Poderia ser a hora em que finalmente vemos nosso Criador.
E verdade que no sofrimento Deus se assemelha mais
ao homem; talvez em nosso sofrimento possamos ver a
Deus como nunca antes.
Da próxima vez em que você for chamado para sofrer,
observe.
Talvez esse seja o ponto mais próximo em que vai estar de
Deus.
Preste muita atenção.
Pode muito bem ser que a mão que se estende para guiá-lo
para fora do nevoeiro esteja traspassada.
Max Lucado